Gustavo Dourado
1.
Caatinga é caatininga
Mato seco no sertão
Cactáceas e arbustos
De uma vasta amplidão
Em carrascos e groseiros
Bom vaqueiro faz serão
2.
Caatinga do mato seco
Do arbusto espinhento
A secura despe a flora
Que fica rala ao relento
Panorama de deserto
Não perde seu movimento
3.
Os ramos são retorcidos
É cactácea espinhosa
Terreno bem arenoso
Composição argilosa
Terra boa e produtiva
A verve bem pedregosa
4.
Caatinga dos sertanejos
Do bode e do umbuzeiro
Terra do mandacaru
Do Xique-xique e facheiro
Gravatá e cansanção
Macambira e juazeiro
5.
Caatinga dos jumentos
Da jurema e faveleira
Caroá, coroa-de-frade
Da barriguda a paineira
Do são-joão, do mulungu
Sertão sem eira nem beira
6.
Caatinga rude e agressiva
O homem busca sustento
Reúne triste beleza
Fedegoso e quiabento
Onde a cabra é a rainha
E o rei é o jumento
7.
A caatinga dos vaqueiros
Na agrura do flagelado
Que abandona sua terra
Em busca de outro estado
Sai das roças e do campo
Pra se tornar favelado
8.
A caatinga é ressequida
Agressiva e tortuosa
Mandacaru, xique-xique
Inspira poesia e prosa
Aboia o poeta vaqueiro
Com a sua vida custosa
9.
As chapadas do sertão
A Chapada Diamantina
Apodi e Araripe
Juazeiro a Petrolina
Do Morro e de Irecê
Paisagem bem nordestina
10.
Caatinga da Borborema
E da Serra do Teixeira
Do canto do repentista
Do cantador Zé Limeira
Patativa e Zé da Luz
Aderaldo é de primeira
11.
Caatinga do Padim Ciço
Do nosso Frei Damião
Do romeiro com sua fé
Pelas trilhas do sertão
Deus e o diabo na luta
Pra haver transformação
12.
Caatinga da Asa Branca
Dos teiús, da juriti
A cantoria do azulão
Do sofrê e do coqui
Do canto do cardeal
Nos pés de ouricuri
13.
Caatinga do umbuzeiro
“Árvore Sacra do Sertão”
Que deu água ao retirante
Cangaceiro Lampião
A Corisco e Conselheiro
E as aves de arribação
14.
O jegue é bem resistente
Atravessa o espinheiro
Confronta fome e a seca
O sol é seu companheiro
A guiar os sertanejos
Agiliza o bom tropeiro
15.
Caatinga dos coronéis
De Horácio e Militão
De Floro Bartolomeu
De Ludgero e Romão
Terêncio, Mané Quirino
Nas quebradas do sertão
16.
Sertanejo esperançoso
Que planta o milho e feijão
A palma e a mandioca
Fonte de alimentação
Melhor lugar não existe
Quando chove no sertão
17.
A água vem da cacimba
Da lagoa e do barreiro
Dos tanques bem pedregosos
E do açude tão brejeiro
Dos poços artesianos
Do carro pipa e viveiro
18.
Do solo vem água e sal
Sua água é lamacenta
Uma terra primorosa
A nossa gente sustenta
Dá vida às cactáceas
Que ao sertanejo alimenta
19.
Caatinga da fopagô
Do carcará, gavião
Do batixó e lagartixa
Do quem-quem e do cancão
Jararaca e cascavel
Haja cobra no sertão
20.
Caatinga da seriema
Do tatu e do gambá
Da onça suçuarana
Do caititu e da preá
Da anta e da capivara
Morcego e lobo-guará
21.
Caatinga do jacaré
Surubim, bagre, pacu
Da traíra e da piranha
Do pé de surucucu
Pirapitinga, cascudo
Da sombra do pé de umbu
22.
Carne-de-sol e de bode
Jerimum e umbuzada
A manteiga de garrafa
O boiadeiro na estrada
O grito do lobisomem
Pela noite enluarada
23.
Pau d´arco e canafístula
Bálsamo e caraibeira
A famosa barriguda
A conhecida paineira
A quixabeira e a taboa
Maniçoba e aroeira
24.
Caatinga do cuscuz
Do terreiro e do jabá
Farinha de mandioca
Mel, licuri e caroá
Milho assado na fogueira
Da pamonha e mucunzá
25.
Tem o pé de cansanção
Macambira e gravatá
Tem o bicho do umbu
Preguiça e tamanduá
Tem o pé de mulungu
Quintal de Dona Iaiá
26.
Tem o angico e pau ferro
Umburana, marmeleiro
Palmeiras de vários tipos
Macaúba e até coqueiro
Variedades de ipês
E o pé de pequizeiro
27.
Caatinga, carro de boi
Tem roçado e tem pilão
Pinha e casa de farinha
Roça de milho e feijão
Tem maxixe e melancia
No curral, vaca e mourão
28.
O caboclo em sua roça
Busca ali seu alimento
Com a seca inclemente
Tem a fome em movimento
Sonha com boa fartura
Com amor e sentimento
29.
Nordeste do Semi-Árido
Da caatinga e do sertão
Do Polígono das Secas
Onde reinou Lampião
Conselheiro em sua fé
Desejou transformação
30.
A chuva traz a esperança
Poesia na trajetória
O rebanho, a plantação
A água faz boa história
Se chove tem alegria
Para o sertão é a glória…
***
Comentário:
Bom dia, Gustavo Dourado. Lindo, extraordinário poema em estilo maior mostrando sua capacidade de domínio da arte de cordel. Ele manifesta ao vivo a renovação da arte de poetar e cantar em estilo cordelista. Ele, como suas mais representativas criações, é uma nova forma de contar e cantar a história: linearidade, clareza, detalhe, léxico regional, linguajar nordestino perfeito, próprio de quem recorda o aprendizado infantil que não se esvai nunca. Tudo isso na trilha dos mestres em tiradas perfeitas de sextilha. Tem como próprio a avantajada participação erudita na dicção da referência ao tradicional. Caatinga é um dos mais autênticos cordéis do já urbanizado e famoso Gustavo Dourado, agora na plenitude dos dons de criação e invenção nos domínios da arte cordelista nordestina. Menino nato em solo baiano, pratica agora a memória infantil viva e dá-lhe plasticidade e literariedade, levando-a aos meios urbanos e intelectualizados do Brasil e do mundo de língua portuguesa, numa comunicação acuradamente preparada. Mais um sucesso que aplaudo como produto da seara fértil de Gustavo Dourado a quem lembro sempre em suas primeiras manifestações cordelistas no Instituto de Letras da Universidade de Brasília, quando era ainda mocinho acabado de chegar do sertão baiano.
Brasília, 23 de junho de 2021.
Professor Doutor João Ferreira, escritor, pesquisador, crítico. Professor Titular da Universidade de Brasília. Pós-Doutor da Universidade Antoniana de Roma, Itália
Maria Félix Fontele diz
Parabéns, Gustavo Dourado, ao unir o erudito e o popular com rara singularidade. Belo cordel.
ALIIrece diz
Obrigado, Maria Félix Fontele, por participar do site. Gustavo Dourado é realmente um grande erudito. Motivo de orgulho para nós da Academia.
Severino Honorato diz
Maravilha de texto poeta Dourado.
ALIIrece diz
Obrigado, Severino Honorato, por participar lendo o texto do nosso confrade.